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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A Mercedes foi das flechas às clavas

Pense naquela coleguinha do jardim de infância pela qual você sempre foi apaixonado, mas que nunca te deu bola. Ela está longe do seu alcance. Impossível. Mesmo assim, você não consegue se furtar ao prazer de deixar seus olhos admirarem o que de mais bonito nosso senhor colocou na terra. Os anos passam e você de repente reencontra aquela pessoa. E esfrega os olhos. Difícil acreditar que é ela. As formas e o jeito peculiar ainda estão lá, mas tem algo destoando do conjunto. Você ainda sente uma quantidade extra de saliva se formando, mas sabe que algo está dando errado.

Esse parágrafo quase melodramático serviu para ilustrar o que eu sinto pela Mercedes-Benz. Até pouco tempo atrás, costumava parar na rua para admirar qualquer carro da marca que passasse. Para mim, era impossível ignorar as formas longilíneas e sensuais, que pareciam ser um prolongamento do ar em movimento.

Mas tudo começou a mudar em 2006.

Foi quando o Classe S recebeu uma nova geração. Imediatamente pensei num mini Maybach. Superado o choque inicial, eu percebi que algo drástico estava acontecendo. Era uma nova tomada de direção. Uma renovação. Repeti para mim mesmo: Toda renovação é bem vinda mesmo que no início cause alguma estranheza, veja o que aconteceu com a BMW quando Chris Bangle assumiu a chefia do design!

Entretanto, quando a atual geração do Classe C chegou, por volta de 2008, coloquei a mão sobre o meu peito, segurei as lágrimas e suspirei docemente: o que diabos é isso? Alguém estava fazendo uma piada muito, muito sem graça com a minha marca favorita. No lugar do lindo e fluido design tinham colocado uma coisa truncada, com uma traseira caída, ar atarracado e proporções fora de prumo.

E a coisa só fez piorar. Eles mexeram no que era intocável, o SL, a Vênus em forma de carro. Lá veio de novo a frente de trator, os faróis desengonçados e aquele jeito de vincos forçados, sem naturalidade. Foi como se tivessem colocado a Adriana Lima na mesa de cirurgia e piorassem o resultado.

Mas o golpe do martelo estava por vir. Com seus faróis confusos, retrovisores medonhos, janelas quadradas e traseira sem imaginação, surgiu em 2009 a nova geração do Classe E, nada menos que o carro mais importante da marca. Olhos graciosos e cintura fina de um lado, olhos repuxados e queixo duplo do outro. Eu só conseguia imaginar minhas mãos ao redor do pescoço de Gorden Wagener!

De tudo isso que eu acabei de escrever, você pode dizer que beleza é subjetiva, que estou enganado e que os carros continuam bonitos. Mas veja só: depois de o Grupo Daimler anunciar prejuízos bilionários em 2009 (cerca de 2,64 bilhões de euros, de acordo com a própria Daimler), a Mercedes foi superada em vendas pela Audi no ano seguinte (acontecimento histórico), sendo remetida para o terceiro lugar da tríade alemã, já que a BMW ocupa o lugar mais alto. Qual a razão disso? A qualidade dos carros continua a mesma. O conforto ainda é quase insuperável. O vanguardismo tecnológico está mais ativo do que nunca. A confiabilidade da marca não diminuiu nem uma linha. Então, qual é o problema?

Agora observe os fascinantes “olhos de serpente” do A8 e a elegante cintura do Série 7. Isso mesmo, amigo. Embora seja uma idéia quase ininteligível, a encruzilhada insolucionável para a equipe da Mercedes pode ser de fato a estética.

Num patamar mais baixo, veja o que houve com a Hyundai:

As grandes grifes automobilísticas procuraram a reinvenção como maneira de fugir do plágio descarado dos asiáticos. No que se refere a japoneses e coreanos, essa época passou. E se você é do tipo cem por cento otimista e gosta de ver o lado bom o tempo todo, posso dizer que a Mercedes está no caminho certo para evitar ser copiada. Se os carros continuarem do jeito que estão, ninguém vai querer fazer nada nem parecido!

De qualquer forma, acredito em finais felizes, e uma notícia recente pode ser a solução para transformar de volta as clavas em flechas prateadas: a Aston Martin, dona dos carros que figuram ano após ano na lista dos mais bonitos do mundo, vai desenhar os carros da capenga e moribunda Maybach, marca do grupo Daimler. Pode ser a chance da Mercedes beber um pouco da fonte da supremacia inglesa da beleza.

E se essa parceria não der certo, então eu vou desistir de vez dessa paixão de infância – e adotar a Scarlett Johanson como referência visual que promete nunca me decepcionar.

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