Dias atrás um amigo meu, Marcos, pediu minha opinião sobre a compra de um sedã médio. Fiquei surpreso com a confusão que ele fez com os diferentes tipos de transmissões disponíveis no mercado! E olha que ele nem é tão leigo assim.
Até entendo, uma vez que até há poucos anos só se ouvia falar em dois tipos de transmissão, vulgo câmbio: manual (também chamado mecânico) e automático (que alguns chamavam de “hidramático”).
Pra que serve o câmbio (ou transmissão)?
Começando pelo básico: a função da transmissão é tranferir o torque (força do motor) para as rodas do veículo. Para que isso seja possível, o câmbio usa uma escala de marchas, da mais baixa para a mais alta para ter um melhor aproveitamento do torque, conforme as condições de utilização do veículo encontradas. As marchas podem ser trocadas manual ou automaticamente.
Transmissão Manual
No sistema manual existe a embreagem para desconectar as rodas do motor, pois o motor gira o tempo todo, mas as rodas podem não estar girando ou girar em rotações muito diferentes da rotação do motor. E isso tem que acontecer sem que o carro morra ou apague.
Quando acionada no pedal esquerdo, as rodas ficam livres e o motorista pode passar a marcha, reduzindo-a ou aumentando-a. Quando se solta o pedal, a embreagem já estará emgrenada (engatada) e permitirá que o sistema de transmissão, formado ainda por diferencial, transmita a força para as rodas na dosagem certa.
O sistema de embreagem é composto basicamente por 3 componentes principais: Disco (volante do motor, de aço), Platô (feita de material bastante aderente,similar ao das pastilhas de freio) e a Mola, que em carros de passeio é do tipo cônica (como um chapéu chinês). Cabo de aço, rolamento e garfo, entre outros são componentes secundários.
Cinco marchas a frente se tornou o padrão por muitos anos. No entanto, já existem vários câmbios manuais de 6 marchas, mesmo no Brasil. E a Porsche apresentou recentemente um de 7. Com exceção de caminhões, que podem oferecer mais de uma marcha à ré, nos veículos de passeio há só uma.
Transmissão Automática
Em uma caixa automática tradicional, as marchas são literalmente engrenagens (como as de um relógio desmontado). A combinação das engrenagens, que se interligam, cria todas as diferentes relações de marchas que a caixa pode produzir. Normalmente de quatro a seis marchas a frente e uma a ré.
Quando nesse tipo de câmbio as marchas vão sendo trocadas, o motorista pode eventualmente perceber pequenos trancos a cada troca. Já existem no mercado câmbios automáticos com 8 marchas a frente. Um de 10 está sendo desenvolvido pela Hyundai. Assim como nos carros com câmbio manual, apenas uma marcha à ré é o padrão adotado.
O que caracteriza um câmbio automático é o conversor de torque. Ele é o componente do câmbio automático responsável pela transmissão inicial de força para os demais sistemas internos da caixa de câmbio. Os componentes internos do conversor são rolamentos, turbina, catraca e bomba.
O conversor de torque é o item mais caro da transmissão. Sua substituição ou reparação pode custar entre R$ 6 mil e R$ 10 mil reais. Mesmo num carro nacional, já que o item geralmente é importado.
Automático Sequencial
No fim da década de 1990, com o lançamento do segundo modelo do Passat alemão no mercado brasileiro a mesmice das transmissões começaria a mudar. O modelo vinha com a transmissão automática do tipo sequencial com 5 marchas que a Volks batizou como Tiptronic, que permitia mudanças manuais com toques curtos na alavanca (+ e -).
Vale lembrar aqui que nomes como Hydramatic e Tiptronic não são tipos de transmissão e sim nomes comerciais de um produto.
Um ano depois, em 1999, a Série 3 da BMW seria reestilizada e traria o mesmo sistema, que ela lançou comercialmente como Steptronic . A Chrysler tinha o seu AutoStick, quase igual. A diferença era que os toques (+ e -) eram para a direita e para a esquerda e não para cima e para baixo. Nos Mercedes ainda é assim.
Transmissão Manual com Embreagem Automática e Manual Automatizada
No mesmo ano, a Mercedes-Benz trouxe o nacional Classe A com um sistema inédito de transmissão para o nosso mercado: manual com embreagem de acionamento automático, sem o pedal esquerdo, que ela denominou AKS. Palio, Corsa e Twingo viriam a usar o sistema com outros nomes comerciais.
Nesse sistema, havia um sensor no pomo – ou manopla – do câmbio que reconhecia a mão do motorista, acionando internamente a embreagem, como se um pé esquerdo invisível acionasse o pedal também invisível da frição (embreagem).
Com o fim do cabo de acelerador, substituído por sistema eletrônico (‘drive by wire’), estava pavimentado o caminho para o que viria a ser o manual automatizado lançado pela GM como Easytronic e pela Fiat como Dualogic.
O uso de sensores mais aprimorados conectados entre si e a instalação de uma central eletrônica (computadorzinho) possibilitou que este tipo de câmbio ganhasse um modo “robotizado” que troca as marchas sem a ação do motorista, porém sem a suavidade dos automáticos autênticos com conversor de torque.
Este tipo de câmbio é vendido erroneamente em alguns concessionáros como “automático”. Custa a metade do preço do automático justamente por não ter o conversor de torque. Sua manutenção é também mais barata e consiste na troca do sistema de embreagem, similar ao sistema de um carro manual, com algumas modificações.
Porém GM (Easytronic), Volks (iMotion) e Fiat (Dualogic, o pioneiro) têm diferenças entre si e os componentes podem custar de R$ 680 na VW até quase R$ 2 mil na Fiat.
Não é exclusividade de populares e médios. O Alfa 147 2.0 já teve seu Selespeed e o Mercedes-Benz C 230 Kompressor Sportcoupé já andou de Sequentronic.
No próximo tópico a evolução desse sistema.
Transmissão Manual Automatizada com Dupla Embreagem – a seco ou banhadas em óleo
Na tentativa de agradar a gregos e troianos e oferecer o melhor dos dois mundos (manual e automático), eis que surge para carros de passeio, nos anos 2000, o sistema de dupla embreagem, que a Porsche criou em 1985 mas que por um bom tempo permaneceu restrito às pistas de corrida.
Com respostas mais rápidas e ariscas que um câmbio manual, o sistema de dupla embreagem está se popularizando. Pode ser de dupla embreagem a seco (DDCT do grupo Fiat e DSG da Audi com 7 marchas) e de embreagens banhadas a óleo (DSG de 6 marchas do VW Jetta, DKG e SMG da BMW e PDK da Porsche). Geralmente contam com as borboletas ou paddle shift(er)s para troca de marchas atrás do volante
Os Fiat Linea e Bravo devem oferecer esta caixa em breve.
O tipo mais comum de CVT funciona com um engenhoso sistema de duas polias, que permite uma infinita variabilidade entre a marcha mais alta e a mais baixa mesmo sem relações de marchas pré-definidas (1a, 2a, 3a, 4a etc) como num automático convencional.
Quando uma polia aumenta o seu raio, a outra o diminui para manter a correia tensionada. Quando as duas polias mudam seus raios entre elas, criam um número infinito de relações de marchas da mais baixa até a mais alta.
A maioria das CVTs tem somente três componentes básicos:
- uma correia de metal ou borracha para alta potência;
- uma polia de entrada “condutora” variável;
- uma polia de saída “conduzida” também variável.
As CVTs também possuem vários microprocessadores e sensores, mas os três componentes acima são os elementos-chave que permitem que a tecnologia funcione.
Transmissões CVT podem ser usadas com tração dianteira, traseira ou integral e em motores de baixa a alta potência, como no Audi A6 3.0 de seis cilindros que utiliza a transmissão do tipo CVT com nome comercial de Multitronic. Já na Nissan o CVT recebe o sobrenome Xtronic. Máquinas como motoserras e motocicletas tipo “scooter” também usam CVT.
As transmissões deste tipo não são tão chatas como se supõe. Veja o Fluence, o Mitsubishi ASX e os Audi, por exemplo: oferecem mudanças manuais, como nos automáticos sequenciais. Mas como é possível? Nesse caso as marchas são virtuais, de modo que as polias parem em seis posições programadas, imitando 6 marchas.
Dá para identificar o tipo de câmbio só olhando a alavanca?
No caso dos automatizados nacionais tipo Dualogic da Fiat e iMotion da VW, fica fácil. Não há a posição “P” de Park ou Estacionamento. E as posições “R” de Reverse ou Ré, “N” de Neutral ou Neutro, “D” de Drive ou Dirigir, na Posição Automática, não estão na conhecida sequencia P-R-N-D. E não existe a trava para sair do “P”.
No caso dos automáticos, pode haver uma pequena variação no que vem depois do “D”, como D3, “L” de Low, Baixa(s) que indica marchas mais baixas, redução. Ainda após o “D”, pode vir a sequencia numérica de marchas. Por exemplo, em um câmbio de 4 marchas, ainda muito comum, toda a sequencia ficaria assim: P-R-N-D-3-2-1 ou P-R-N-D-3-2-L. Atualmente a sequencia pára no D e ao lado há um pequeno trilho paralelo para mudança manual (+ acima e – abaixo ou vice-versa).
Menos comum, visto mais em alavancas na coluna de direção, pode vir: P-R-N-D-O. Nesse caso, “O” de Overdrive, que indica que todas as marchas estão disponíveis para uso. Muitas vezes esse modo fica interessante para viagens em rodovias a uma velociadade maior e mais constante sugerindo maior economia.
Outra forma de Overdrive é através de um botãozinho no tronco da alavanca. Acionando-o, o motorista estará desligando o Overdrive e a marcha menor que a máxima será usada.
Recentemente, alguns carros de luxo como Jaguar e Aston Martin aboliram a alavanca e adotaram um seletor giratório redondo que lembra o seletor multimída iDrive dos BMW.
Nesses casos para não frustar quem curte uma redução manual, geralmente existem as aletas, borboletas ou paddle shift(er)s atrás do volante. Recurso criado pela Ferrari em 1989 na F1 e depois oferecido pela Porche e a mesma Ferrari nos carros de Passeio por volta de 1997.
Em matéria de aparência de alavanca, houve um exótico câmbio oferecido nos Alfa Romeo 156, chamado de Q-System (Q de quadra, quadrado, devido à disposição das quatro marchas em forma de um pequeno quadrado, num esquema em “H” que simula o de um câmbio manual). Esse quadrado, no sentido anti-horário continha as marchas 1-2-3 e 4 de relações bem curtas e ficava deslocado para à esquerda. Deslocando-se a alavanca para a direita você tinha um convencional automático (P, R, N e D).
Rejeição aos automáticos
O desejado câmbio automático de hoje era demonizado no passado e tachado como “carro de deficiente”. Hoje todo mundo diz que ama. O que fica fácil quando todo mundo aprova. Em 1999 tive meu primeiro automático, um Honda Civic. E era alvo de inúmeras chacotas.
Está certo que até os anos 1990 as transmissões geralmente tinham 3 marchas. Nos anos 60 houve automáticos americanos com duas velocidades e até mesmo com uma única. Havia uma certa lentidão, muito ruído e trancos fortes. Porém, na América o padrão de trem de força eram os seis e oito cilindros.
No Brasil, depois dos Dodge e Ford V8 e GM 6 em linha, ficamos com parcos quatro cilindros. De fato, guiar um Del Rey CHT 1.6 automático de 3 marchas, com passageiros e bagagem não era a coisa mais prazerosa do mundo.
Considerações Finais
Não se pode dizer que há um tipo melhor ou pior de transmissão, mas uma mais adquada ao gosto ou ao uso de cada motorista. Quanto à economia de combustível, a manual ainda seria a mais econômica. Em seguida as CVT, as automatizadas e por último as automáticas.
Automáticos e automatizados deixaram de ser coisa de popular. Quase todo superesportivo utiliza este tipo de transmissão atualmente.
E o câmbio manual, que para os puristas sempre foi sinônimo de esportividade, também está deixando de ser unanimidade. Prova disso é que a partir de 2012 a Lamborghini não irá mais oferecer câmbio manual em seus modelos. E você, leitor, o que prefere? E qual tipo de câmbio não compraria? Até breve! Câmbio, Desligo.