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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Entenda o que aconteceu com Nürburgring e por que o circuito não deve fechar


Apesar da situação delicada do autódromo de Nürburgring, ainda é cedo para afirmar que a Terra Santa do automobilismo mundial desaparecerá para sempre. Na verdade, é pouco provável que o circuito acabe fechado. Para fazer uma analogia recente, simples e direta, Nürburgring está mais para Chrysler que para Saab. Entenda melhor a situação e veja por que você não deve se preocupar.


Nürburgring foi criado pelo governo alemão na década de 1920, e foi mantido por muito tempo com dinheiro público, dos pagadores de impostos alemães. Por todo esse tempo qualquer pessoa poderia usufruir do circuito mediante uma quantia relativamente baixa. Logicamente o custo da manutenção do circuito é alto, e nem mesmo a locação quase mensal para as fábricas ajudava a manter o saldo positivo – especialmente no período entre outubro e março, quando a região começa a esfriar drasticamente à medida em que se aproxima o inverno europeu.

Por isso em 2004 foi apresentado um projeto de revitalização de Nürburgring, que incluiu a construção de um complexo formado por hotel, centro de convenções, shopping e parque de diversões a um custo de 200 milhões de euros. Para colocar o projeto em prática, foi firmado um acordo entre o governo alemão e a empresa privada Nürburgring Automotive GmbH, formando uma iniciativa de capital misto. Três anos depois, o custo do projeto aumentou para 215 milhões de euros, e mesmo sob críticas e questionamentos alertando sobre a inviabilidade de operar com uma demanda mínima superestimada de 500.000 visitantes por ano, em 2008 o banco do estado de Rhineland-Palatinate injetou 85,5 milhões de euros no projeto.

A situação começou a desandar quando descobriu-se uma série de fraudes em pagamentos de comissões por estudos e obras que não haviam sido realizadas. No final de 2009, a seis meses da concessão do complexo à Nürburgring Automotive pelo governo alemão, descobriu-se que a empresa privada não investira um único euro na construção dos prédios, bancada, portanto, por capital oriundo de fundos europeus e do banco nacional alemão. Apesar dos esforços de várias iniciativas privadas locais, o controle do complexo foi passado à Nürburgring Automotive em maio de 2010 por um contrato de 20 anos, e a empresa recebeu um crédito inicial de 40 milhões para começar as operações. Na mesma época tempo foi iniciado um processo para averiguar se houve fraude na concessão de Nürburgring.

Como as projeções de público anual foram superestimadas, a ausência de visitantes e a pressão por retorno financeiro levaram a Nürburgring Automotive a tomar decisões equivocadas que acabaram se transformando em uma doença financeira degenerativa e incontrolável. Como em qualquer shopping e centro comercial, parte do faturamento dos condôminos/associados é destinado à manutenção da estrutura – que nesse caso inclui o autódromo. Mas a Nürburgring Automotive decidiu restringir o uso da pista aos hóspedes e clientes de seus próprios estabelecimentos, que obviamente não têm estrutura para atender toda a demanda necessária para encher o caixa da manutenção. Essa medida inconsequente teve um impacto profundo e prejudicial aos demais negócios do complexo, que deixaram de remeter a taxa de manutenção devido à queda do movimento e faturamento.

Para tornar a situação ainda mais escandalosa, ao realizar o GP de Fórmula 1, a Nürburgring Automotive recebe fundos do governo alemão que garantem a cobertura das despesas e o lucro dos ingressos, mesmo que eles não sejam vendidos. Parece até coisa do Brasil.

A essa altura você já deve ter perdido a conta, mas a Nürburgring Automotive recebeu 524 milhões de euros em forma de créditos, e suspeita-se que boa parte dessa fortuna foi desviada para os bolsos dos administradores da empresa e seus associados. Por isso o governo alemão retomou o controle do complexo para tentar recolocar as coisas nos eixos enquanto não encontra um novo parceiro privado para assumir o inferno verde.

Como solução emergencial, os administradores da Nürburgring Automotive pediram uma caução de 13 milhões de euros para a Comissão Europeia, que foi negada pois a caução seria contra as regras comunitárias de concorrência. A empresa também não pode mais pedir ajuda ao governo, pois além de ser considerado um apoio estatal ilegal, o Estado já está sendo investigado pela ajuda anterior.
E foi aqui que começaram os rumores de que Nürburgring vai fechar. Quando o governo alemão negou a ajuda à empresa Nürburgring, também exigiu sua liquidação para honrar suas dívidas. A palavra “liquidação” gerou a confusão: muitos interpretaram a falência da empresa como o fim do circuito, como se o a sra. Angela Merkel fosse retomar a área, e destruir toda aquela estrutura inviável e imprestável para construir um parque, ou um aeroporto ou qualquer coisa. Não. Não é isso o que vai acontecer.

O que faliu na manhã de ontem foi a Nürburgring Automotive GmBH, a empresa que administrava (ou tentava) o complexo Nürburgring. Como em qualquer outro processo de falência, os ativos da empresa – ou seja, o circuito, o hotel, o parque de diversões e o shopping – serão vendidos para saldar parte das dívidas. Ele continuará no mesmo lugar até que apareça alguém interessado, pois Nürburgring é rentável, apesar de tudo o que aconteceu durante a desastrosa concessão. O erro da concessão foi superestimar a demanda e assim projetar os gastos e investimentos com base em dados completamente absurdos. Se foi um golpe para arrancar dinheiro público ou uma grande lambança administrativa, é a investigação do governo alemão quem vai dizer.

E é por isso que Nür dificilmente deve acabar fechado. Com o pedido de liquidação da empresa ele certamente será vendido por um preço bem abaixo do estimado: 126 milhões de euros. Na pior das hipóteses os carros ainda serão testados e desenvolvidos por lá. Na melhor delas, os preços de acesso sobem, mas o circuito continua vivo e aberto ao público. O automobilismo nunca foi barato, mesmo.

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