Páginas

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O coração do automóvel: a difícil arte de especificar o motor ideal


Ao comprarmos um carro novo esperamos que ele atenda todas as nossas expectativas em diversos âmbitos. Consumo, conforto, comportamento dinâmico e potência são alguns desses quesitos que balizam uma compra racional – e o projeto original com base no público-alvo e no segmento em que atuará. Mas e quando o automóvel em questão deixa a desejar em alguns desses critérios, em especial na motorização?

No projeto de um automóvel o motor é um dos itens mais dispendiosos. Além do alto custo em projetar um propulsor, há o tempo envolvido em testes que, muitas vezes, ultrapassa o próprio tempo do projeto do carro em si – hoje muito mais rápido por conta das novas tecnologias empregadas. Por essas e outras questões um mesmo motor basicamente serve a várias famílias de automóveis e pode seguir por anos a fio passando de geração em geração.

Tanto é verdade que os engenheiros começam um novo projeto já imaginando as modificações que ele poderá ter no futuro. Um exemplo? Ao criar um bloco inicial de 1,6 litro, muitas vezes a fábrica já o projeta para ser ampliado ou reduzido conforme a necessidade. Assim ele pode dar origem a unidades de 1,8 ou 2,0 l ou ainda a menores, como 1,0 l, tão comuns em nosso mercado.

Quando a Chevrolet lançou a linha S-10 no Brasil, em fevereiro de 1995, foi uma sensação. Tínhamos um picape e um utilitário de desenho impecável, linhas interessantes (a Chevrolet no Brasil preferiu dar um ar de “automóvel” ao utilitário e redesenhou sua frente com muito acerto) e em consonância com o que existia nos Estados Unidos. Mas a empresa tinha um problema: que motor utilizar na dupla S-10 e Blazer? A solução veio da prateleira da casa: uma unidade de 2,2l recém lançada no Omega. A injeção multiponto original deu lugar a um bico injetor apenas.

A potência caía para 106 cv e o torque era de 19,2 m.kgf, menores que no sedã. Se na S-10 o desempenho não incomodava tanto, o mesmo não ocorreu com o Blazer. Mais pesado e com linhas que inspiravam um pouco mais de esportividade, dirigir o grandalhão era um suplício – e uma decepção. Na estrada então, com a família e bagagem, chegava a ser perigoso, pois o desempenho era pior do que muitos populares da época. Típico caso de subdimensionamento do motor.

A coisa só começou a melhorar um pouco com a chegada de uma unidade diesel da Maxion com 2,5 l e, definitivamente, com o famoso V6 de 4,3 l importado dos EUA. Esbanjava torque, com 34,7 m.kgf a baixas 2.600 rpm, e fazia o 0 a 100 km/h em bons 10s. O famoso “seis-canecos” do Opala, produzido no Brasil, não poderia ser usado por conta de suas dimensões.

Em outros momentos o que pesa é a modernidade do motor. Quando o nosso Vectra de terceira geração estreou por aqui, em 2005, muitos imaginavam que seria hora de termos os modernos Ecotecs da Opel, mas a solução continuou vindo da prateleira. O clássico 2,0 l que estreou no Monza em 1984 continua firme e forte. Obviamente tem suas qualidades, como bom torque em baixas rotações e robustez, além da facilidade de manutenção Brasil afora.

Mas o alto consumo, por exemplo, é um de seus pontos negativos que evidenciam a idade do projeto. E afinal é preciso correr atrás do prejuízo que os japoneses causaram no segmento com seus carros, apesar de caríssimos pelo que oferecem em equipamentos, modernos e com motores mais atuais.

Motor também é identidade. Basta ver como marcas de prestígio, como Porsche e BMW, tratam com seriedade o assunto. A BMW, por exemplo, fabrica até hoje seus famosos seis cilindros em linha. Os donos de BMW gostam assim; da mesma forma têm paixão pela tração traseira de seus automóveis. Muitos conseguem reconhecer o som dessas máquinas a léguas de distância. E o que falar dos blocos V8, intimamente ligados aos carros dos Estados Unidos?

Identidade foi uma questão enfrentada pela Fiat brasileira. As versões topo de linha de seus carros eram equipadas com o 1,6 l 16V importado da Itália, um propulsor com todo o DNA Fiat: se dava muito bem em altas rotações, um clássico do tempero italiano. Com o dólar flutuando nas alturas, a questão “custo” pesou forte. Quando firmou acordo com a GM para fornecimento de motores, criando a Powertrain, os carros da Fiat começaram a ganhar o motor de 1,8 l de origem norteamericana.

Primeiro foi o Stilo em 2002 seguido pelo Strada e logo mais pelo restante da linha Palio. A ganhar veio o bom torque em baixa rotação. A perder? Para os fãs da tocada típica dos Fiats, muito. O entusiasta percebia nitidamente não se tratar de um legítimo Fiat. Houve uma pasteurização dos automóveis, sem contar o alto consumo das unidades GM, sempre lembrado pela imprensa especializada. O que poucos esperavam é que essa joint venture entre italianos e norteamericanos durasse pouco tempo. A marca de Betim já abandonou o uso dos propulsores em prol de unidades próprias de 1,6 e 1,8 l com 16 válvulas que refletem mais seu modo de “pensar” automóveis.

E os esportivos nacionais? Poucos carros podem se vangloriar de serem realmente esportivos. Podemos citar Punto e Linea T-Jet, Civic Si e… bem, ficamos por aqui. A maioria dos ditos esportivos nacionais utilizam os mesmíssimos motores de suas unidades mais simplórias. De vez em quando alguma marca vai além e faz modificações na suspensão ou encurta um pouco o câmbio, mas talvez um cabeçote com quatro válvulas por cilindro aqui, uma taxa de compressão maior acolá, fizesse bem a quem busca um diferencial ao volante.

As marcas afirmam que a baixa procura por esses modelos inviabiliza o investimento em motores e mecânica exclusivos, mas em tempos de mercado fechado como foi o nosso em um passado não muito distante essas diferenciações eram mais perceptíveis. Talvez perceberam que o consumidor comum está mais preocupado com a roda esportiva e os anexos aerodinâmicos… e se o nível de exigência é baixo, para que investir mais, não é mesmo? Simples lei de mercado.

Custo, segmento de mercado, uso, o que tiver na prateleira… são muitas as variáveis para a indústria decidir o que seu próximo carro vai usar debaixo do capô. Fica a torcida para que seja um motor moderno, de baixa manutenção, baixo consumo e desempenho adequado à proposta. Sonhar não custa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário