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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Briga familiar

Quinta marcha, 190 por hora, 5.500 rotações por minuto. Estou de pé cravado por quase dois quilômetros. Garoa constante. O asfalto escuro e refletivo indica que o piso está tão confiável quanto uma usina nuclear japonesa. A placa que indica a curva leste da pista de testes - normalmente usada como referência para a frenagem - virou um borrão amarelo, e ficou para trás há alguns metros. Ainda de pé embaixo, posiciono o carro à direita, no limite da pista. Hora da verdade. Monto nos freios como se fosse furar o assoalho. O Punto T-Jet reage bem, e estanca imediatamente. O nariz mergulha, o cinto trava, mas a traseira abana com rebeldia e quer tirar o carro da linha. Com a mão esquerda, brigo com o volante. Com a direita, chamo as reduções de marcha: quarta, terceira... 90 km/h. Jogo o hatch para dentro, buscando o ponto de tangência...

É uma curva longa à esquerda, com 180 graus e 200 metros de extensão. Sinto as laterais dos Pirelli P6 dobrarem sob as rodas conforme acelero. Estou a 75 km/h, quando os pneus dianteiros começam a arrastar no asfalto. Devido à umidade, não há derrapagem. O volante vibra e a dianteira começa a escapar, de maneira que só me resta aliviar um pouco o pedal da direita. Volto à base sem pressa, para resfriar os freios e enxugar o suor das mãos. No estacionamento, vejo a bela traseira da minha próxima vítima. Um novíssimo Bravo T-Jet, igualmente amarelo, igualmente 1.4 turbo, me aguarda. Decido postergar o prazer, e vou tomar um refresco, enquanto flerto com a carroceria de ambos à distância.

IRMÃS CONTRASTANTES

Não são poucos os que trocam os nomes de um pelo outro: a silhueta e a porção frontal são muito parecidas. Fossem mulheres, diria que são irmãs - daquelas com atitudes bem diferentes. O Punto T-Jet seria aquela garota mais nova, de cabelos coloridos e toda tatuada. As máscaras negras, faróis auxiliares salientes e frisos negros nos para-lamas exclamam sua esportividade aos quatro ventos.O Bravo é aquela moça quase-mulher. Que ficou segura de si e sabe conquistar sem se impor - a cor amarela chega a lhe cair excessiva, como um vestido curto. Os mais atentos vão notar pequenos indícios de que ela é uma fera entre quatro paredes: pinças vermelhas, rodas aro 18 (opcionais), discretos logotipos T-Jet na grade e na traseira, e o emblema Overbooster nos paralamas. Mas será que é uma fera mesmo?

Ao entrar na cabine, a diferença de categoria entre os dois fica bem mais clara. O quadro de instrumentos do Bravo lembra os Alfa Romeo de antigamente: o velocímetro e o conta-giros estão em dois copos de bordas cromadas, e os outros mostradores ficam agrupados no centro. O painel é revestido com um material tramado que lembra fibra de carbono, é mais envolvente, os plásticos são emborrachados e os encaixes são melhores. O fechar de portas ressoa um isolamento acústico mais eficaz, e o sistema integrado de som, computador de bordo e navegação (opcional) - com tela de 6,5 polegadas no console central - dá o toque final de refinamento.



ASFALTO, GASOLINA E BORRACHA

Mas, neste momento, nada disso importa. Estou aqui para apenas ver do que ambos são capazes, e o quanto de diversão eles proporcionam. Asfalto, gasolina e borracha, meu caro. Não é para isso que as versões T-Jet vieram ao mundo?

A garoa continua. Saio em ritmo mais leve, para aquecer o conjunto e pegar a mão da irmã maior - estou mal-intencionado, mas ela ainda não sabe. Vejo dois botões no painel - OVB (Overbooster) e ASR OFF - mas decido explorá-los mais tarde. Noto que o sistema elétrico de direção opera com amplitude maior: ele é mais leve em manobras, e mais pesado em velocidade que o sistema hidráulico do Punto.

É hora de judiar da garota: retão de dois quilômetros, 190 km/h, berro metálico a 6.000 rotações - sim, as relações são mais curtas, graças ao câmbio de seis marchas. A placa da curva passa em um flash, respiro, estanco no freio com força: ele mergulha e dança bem menos com a traseira, graças a uma distribuição de peso mais equilibrada (61,5% dianteira e 38,5 traseira, 0,8% melhor que o Punto) e ao entreeixos mais longo - respeitosos 9,2 cm de diferença. E pasmem: apesar dos 140 kg a mais, ele freou melhor que o Punto em quase todas as aferições. Qual o segredo? Nós descobrimos, e depois contamos para a irmã menor - e para vocês.

Quarta, terceira marcha, aponto para dentro. Na curva, o Bravo continuou com sua aula de classe: reação mais rápida na entrada para o ponto de tangência, direção mais comunicativa e firme, menor inclinação de carroceria (nisso ajudam as bitolas mais largas, 59 mm na frente e 54 mm atrás) e um pouco mais de velocidade no contorno. No geral, o Bravo transmite mais segurança quando levado ao limite - bem, isso também é menos divertido.

Próximo à saída da curva, estou com quase 100% de pressão no pedal. As costelas começam a esmagar as laterais do banco, quando sinto o motor cortando o meu barato - sensação pior do que quando a garota tira a sua mão dali, justamente quando está ficando bom. Cazzo! Tirei o pé e saí de mansinho. No console central, encontrei o passaporte da alegria: o botão ASR OFF.


SAPATINHOS DE CRISTAL

O Anti Slip Regulation opera em conjunto com o controle de estabilidade (ESP) e funciona como uma espécie de controle de tração, impedindo a patinagem das rodas motrizes. Só que a sua calibragem visa a segurança, e não o desempenho. Vale deixá-lo sempre ligado, mas em um Track Day - contanto que você saiba o que está fazendo - desligá-lo vai permitir uma velocidade de saída das curvas maior.Aproveito a deixa para apertar a tecla que aciona o Overbooster. Ele aumenta o torque de 21,1 para 23 kgfm (a potência permanece) ao causar uma sobrepressão de 0,4 bar no turbo fechando mais a válvula waste gate. O recurso também altera o mapeamento do pedal do acelerador, deixando-o mais agressivo.Com o ASR fora do meu caminho, consegui sair das curvas com velocidade superior ao Punto, mas não senti diferença alguma na pegada do motor: o OVB opera somente entre 2.000 e 4.500 rpm - e quando você troca as marchas no limite, o giro cai acima dos 5.000 giros. Os números do teste comprovaram isso: o recurso vale bem mais para retomadas e ultrapassagens. Ou para fazer uma graça aos amigos.Com a garoa persistente ainda castigando a pista, saí do Bravo com duas certezas: seu conjunto é mais sofisticado que o Punto - sendo de um segmento superior, nenhuma novidade. Mas boa parte do segredo dinâmico estava em algo intercambiável: os sapatinhos de cristal da irmã maior.

PUNTO ANABOLIZADO

Nas curvas feitas no limite, as laterais do Pirelli P6 205/50 R17 (Punto) dobravam e dançavam sob as rodas com intensidade bem maior que as do Michelin Pilot Sport 225/40 R18, opcionais do Bravo. Isso reduzia a velocidade de resposta ao volante, e também prejudicava a precisão ao longo das curvas. É verdade que o perfil é mais baixo no Pilot Sport, mas o fato é que as suas laterais são mesmo mais estruturadas - o P6 visa mais o conforto.

Vinte milímetros a mais de um pneu superior, em um carro 140 kg mais leve e de respostas dinâmicas mais viscerais? Não deu para resistir. Sujamos as mãos, as roupas e largamos a irmã grande descalça no elevador. As rodas maiores do Bravo caíram como uma luva no Punto, que ficou com uma postura invocada - lembrando os carros que competem em track days. Agora, era hora de ver se a atitude em pista correspondia à aparência de garota fatal.Na primeira vez que fiz a curva leste, cheguei a pensar que tivesse errado tudo: na frenagem, a traseira ficou no lugar, sem balançar, sobrando um pouco de distância. Na entrada de curva, o carro apontou bem mais para dentro, como se estivesse lento. Mas na volta seguinte, descobri que criamos um pequeno capeta: podíamos frear depois e acelerar antes - até mesmo que o Bravo -, em todas as situações de pista. Mas a maior diferença foi a atitude. Ele ficou afiado e comunicativo, com respostas rápidas e seguras no limite. Em uma competição nessas condições, a disputa seria acirrada com o Bravo - mas quem ficasse com o Punto iria se divertir mais.Tudo muito bacana nesse troca-troca, mas e na hora de botar a mão no bolso? Sobra troco pra contar história? Se o preço estimado de R$68 mil for confirmado para o Bravo T-Jet (com rodas aro 17 e sem o sistema Blue&Me NAV), a tendência é que os R$ 64.264 do Punto T-Jet desçam morro abaixo. Isso pode ser uma boa notícia para quem gosta de um carro nervosinho, desde que esteja disposto a conviver com um acabamento inferior.

Fiat Punto T-Jet


Pelo seu preço, o Punto T-Jet deveria empregar plásticos emborrachados. A faixa do painel, na cor do carro, divide opiniões. Pedaleiras e apoio para o pé esquerdo, em alumínio, estão em ambos os carros. A ergonomia de ambos é boa, mas a regulagem de altura da coluna poderia descer um pouco mais.





Fiat Bravo T-Jet

Por
dentro, o Bravo justifica melhor o seu preço: materiais agradáveis aos olhos e ao tato, e uma arquitetura de painel mais sofisticada. Mas não existe almoço grátis: volante e manopla de câmbio são iguais às do Punto, com novo revestimento. O couro (sintético) dos bancos poderia ser melhor

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