Páginas

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010


Quem diria que um dia o maior sedã nacional da Chevrolet teria menos prestígio que um hatch coreano? Hoje o Vectra tem menos apelo que um i30, algo inaceitável nos anos 70 e 80, época do auge do saudoso Opala. Por que nossos produtos estão defasados? Eu não sei, mas talvez o texto abaixo explique.

Uma vez decidi ir com a família e alguns amigos à praia de Luiz Correia, no Piauí, numa Sprinter emprestada de outro amigo, o João Carlos. Precisávamos de espaço, já que não queríamos ir na picape pequena, à época o nosso único transporte. A van da Mercedes era uma boa idéia.

Não escrevi este texto para contar sobre um passeio, mas sobre o veículo que usamos nele. A Sprinter era uma versão 413, longa, com rodeiro duplo, ar-condicionado, bancos forrados em veludo, bolsas infláveis frontais e sistema de freio com discos nas quatro rodas, ABS e EBD. Quem a conhece sabe o quanto ela é ágil, confortável e segura. Gostei muito de guiá-la por mais de 400 quilômetros. Mas alguns detalhes me incomodavam.

João Carlos é um ex-sertanejo, grosseiro que só ele. “Carro é feito pra rodar e pronto”, ainda costuma dizer. Nunca faz manutenção preventiva e quando algum de seus carros (ele tem vários) dá problema o Astrogildo, seu mecânico, dá a solução. O cara é do tipo de profissional que prega pôsteres na oficina, acorda tarde e ouve música alta enquanto trabalha. A solução dele é sempre a mais simples possível: arame, peça usada, parafuso enferrujado, enfim, qualquer coisa que apareça na sua frente. E quando não entende do problema, diz “isso é bobagem, dá pra esperar”. Um legítimo “mexânico”.

Por volta das cinco da manhã juntei a família e entramos na Sprinter branca. Dei partida no motor, que respondeu prontamente. No painel de instrumentos acenderam várias luzes: motor, ABS, air bag e mais um bocado que não lembro. Fiquei imediatamente preocupado, pois aquelas luzes denunciavam uma porção de anomalias que poderiam colocar em risco a vida dos doze passageiros. Mas como alguns jovens que não pensam direito, fiquei calado e peguei a estrada com doze vidas sob minha responsabilidade e de toda aquela parafernália com problemas.

Para acabar com o incômodo das luzes, joguei uma flanela por cima do painel. Dirigia rápido e ouvia música alta. O som da van era impecável: vários 6×9 espalhados pelo teto e quatro subwoofers na traseira, todos de marcas renomadas e que com certeza custaram uma fortuna. Porém, na primeira situação de emergência descobri de onde foi tirado o dinheiro para pagar aquele sistema.

Havia uma cratera enorme na estrada e eu pisei no freio com força. As rodas começaram a travar, uma por uma. O ABS não funcionou naquele momento e os pneus pareciam deslizar no sabão, de tão ruins que estavam. No final das contas sobrou um pneu cortado e um disco quebrado (não sei se acontece com toda Sprinter, mas meu amigo vive trocando disco quebrado). Calcei a pinça com um pedaço de disco para manter o freio e coloquei o estepe. Continuei com três freios.

Meu amigo João Carlos é a representação do “brasileiro apaixonado por carro”. Dá muito valor aos acessórios e paga caro por sistemas de som, rodas e adesivos, mas jamais faz manutenção preventiva para assegurar o correto funcionamento dos sistemas de segurança. E sua van só tinha tais sistemas porque a fábrica não disponibilizava aquele modelo em configuração básica. Se disponibilizasse, como certeza teria sido a sua escolha.

Nós, que gostamos de carros, sempre damos valor àquilo que realmente é legal e não àquilo que é fácil de revender ou de manter. Também gostamos de “penduricalhos”, mas damos a importância necessária às ferramentas que nos deixam mais seguros.
O ABS da Sprinter do JC estragou porque o Astrogildo é sempre o encarregado de trocar as pastilhas. Ele, habilidoso que é, empurra o pistão da pinça com uma chave para inserir as novas peças. Mal sabe ele que isso “engana” o módulo. E quanto aos pneus, JC só os troca quando estão quase estourando. “Tá furado?”, pergunta ele quando tento convencê-lo a trocar.

Astrogildo é o conselheiro de muitos motoristas brasileiros, principalmente daqueles do interior. Em sua opinião, só é preciso trocar uma peça quando ela está imprestável. Está sempre sujo e gosta de tirar peças dos carros para revendê-las a outras pessoas que procuram. Astrogildo apóia o mercado de peças roubadas comprando-as para seus clientes.

João Carlos é o típico motorista que não se importa com segurança e acha que os carros do passado eram mais seguros. “Diego, você vê Maverick, Opala e Brasília capotados por aí?”, perguntou-me uma vez. Dirige sem cinto e sobrecarrega o carro com muitos passageiros. Não faz consertos bem-feitos porque nunca tem dinheiro sobrando; as parcelas dos seus carros sufocam o orçamento.

Pois bem, esse é um retrato do Brasil, o quarto maior mercado do planeta. Sem carros modernos e baratos, segue vendendo produtos defasados e caros. E a culpa, será do governo ou do mercado consumidor?

Por Diego de Sousa

Nenhum comentário:

Postar um comentário